quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

FÉRIAS DE NATAL

O Natal está a chegar, e vamos para fora já esta semana. Apenas em Janeiro estaremos de volta!!!!!
Mas voltamos com mais força, continuando à espera das vossas fotografias, recordações, histórias e até reparos.

A todos os Primos desejamos um Santo Natal.

De pedras fez terra - um caso de empreendedorismo e investimento (5)

2.3 - A ligação a Trás-os-Montes

O que se passou com a busca da cortiça? Depois das viagens ao estrangeiro, Clemente Meneres procurou o conhecimento do interior. No vigor dos seus trinta anos e acompanhado de um amigo conhecedor da cortiça, partiu (14.05.1874) na diligência da ex-mala posta do Porto para Bateiras e dali até Foz Côa, onde verificou que os sobreiros locais eram consumidos como lenha pelos seus habitantes. Falava-lhe o amigo de um lugar chamado Romeu, onde lhe tinham oferecido, dois anos antes, cortiça virgem para vender no Porto. Atravessaram, então, o Douro, e a 18 de Maio, chegavam ao Quadraçal, pelo Vale de Sinada, aí verificando a existência de muitos sobreiros, embora crestados pelo fogo, dado o hábito de queimadas para eliminação dos lobos e de outros animais selvagens, que atacavam com frequência os povoados e, sobretudo, os gados nas pastagens. Além disso, os sobreiros também eram aqui utilizados como lenha pela população, do que resultavam danos irremediáveis para o aproveitamento da cortiça. Chegam ao Romeu, pelas 16 horas desse dia, 18 de Maio de 1874, abancando no tasco da Maria Rita, onde não havendo nada para comer, mandam assar bacalhau, acompanhado de pão negro de centeio.

Rapidamente Clemente vislumbra que o negócio de cortiça não podia ser apenas de curto prazo, de compra e venda, mas que a estratégia correcta passava por tornar-se produtor e controlar as áreas de cultivo. Tanto mais que essa vertente podia ser ampliada com a associação de outras produções locais, como o azeite e as frutas. E havia também a possibilidade de recuperar a produção de vinho, embora aqueles lugares se apresentassem ainda dizimados pela filoxera de anos anteriores. Observavam-se ainda ruínas de instalações para produção de vinho, nomeadamente de alambiques para destilação, da época pombalina, os quais ali teriam sido implantados dada a abundância de madeira para queimar. Clemente Meneres proclama então a decisão oportuna de, em nome pessoal, “comprar por ali terras com lenha para montagem de alambiques”. Com o apoio do pároco local, não faltam pequenos proprietários a responderem a esta chamada do capital e a venderem as suas terras secas, com árvores dizimadas ou pouco produtivas em cereal.

Depois de retemperar forças, parte no dia seguinte para Mirandela, telegrafa para o Porto e pede uma carta de crédito de dois contos de réis. Mas ainda antes da partida já lhe tinham comprado as primeiras terras para ele. Com a ajuda do companheiro e do pároco local, depressa atinge 38 títulos de compra em 7 dias, voltando ao Porto e deixando aqueles ainda a comprarem por sua conta.

Quinze dias depois, volta com os corticeiros da sua fábrica, para extraírem a primeira cortiça, medida que se traduziu num desastre económico inicial, dado aqueles não perceberem nada da técnica de extracção (eram operários de fábrica, habituados apenas à transformação da cortiça) e danificarem muitas peças. Corticeiros capazes teve de os ir buscar ao Alentejo, o que passou a ocorrer com regularidade durante muitos anos. Mas a tarefa de extrair cortiça em Trás-os-Montes era difícil, dado o acidentado dos terrenos em que os sobreiros proliferavam, o que obrigava os corticeiros a utilizarem amarras pela cintura para não se despenharem pelas fragas. Acresciam depois dificuldades na condução da cortiça, normalmente feito por mulas, mas, em locais de difícil acesso, a cortiça tinha de ser transportada por mulheres, em feixes, para locais mais acessíveis, aonde pudessem chegar carros de bois, sendo necessários serviços de vigilância para evitar roubos nas pilhas provisórias que se espalhavam pelas matas. Era ainda comprada cortiça a outros produtores, mediante sinal prévio em dinheiro8. Não obstante, a cortiça, apesar dos problemas que apresentava para a sua recolha, era (e ainda é) o negócio mais rentável destas propriedades, dado o crescimento dos sobreirais se fazer quase em estado natural, sem as despesas que as outras culturas exigiam (apenas a limpeza das matas e os custos da extracção).

Desenvolveu ainda uma tentativa de criação de gado suíno trazido do Alentejo, mas tal não resultou devido às estiagens e à pouca produção de bolota, vendo-se obrigado a vendê-los para não perder todo o capital investido. Em contrapartida, multiplicaram-se rebanhos de ovinos e caprinos, não tanto como fonte de produção, mas para se oporem à penetração de rebanhos alheios nas terras próprias e assim se minimizarem os seus efeitos negativos nos rebentos de novas árvores.

2.4- Iniciativas industriais

As dificuldades iniciais não levaram Clemente à desistência, formulou mesmo projectos mais amplos, procurando ligar intimamente os produtos das propriedades transmontanas à possibilidade da sua transformação no Porto. Com efeito, na breve autobiografia, Clemente Meneres fala-nos da sua longa luta para a instalação da fábrica de conservas por esta altura, que lhe representara inúmeras canseiras e trabalhos. Assim, a firma C. Meneres & Cª bipolarizava-se: para além da sua unidade de fábrica de cortiça e de firma de comércio, procurava instalar na rua da Restauração, em espaços alugados a João Paes, uma fábrica de conservas que veio a ser conhecida como a Companhia Luso-Brasileira - Fábrica de Conservas Alimentícias.

Além disso, e pela mesma altura, encontrámos o processo relativo a um estabelecimento que caía na alçada da lei de 21 de Outubro de 1863 sobre estabelecimentos insalubres, tóxicos e perigosos por “fumo e perigo de explosão de caldeira”, pelo que necessitava de alvará. Assim, a 9 de Abril de 1875, Clemente Meneres requeria a instalação de uma fábrica de moagens de farinhas e descasque de cereais movida a vapor, a instalar ainda em Monchique: a máquina a vapor deveria ser fixa, da ordem de 30 cavalos e alimentada a carvão; os aparelhos de moagem deveriam ser seis a oito e dos sistemas mais aperfeiçoados. Correram éditos e não houve qualquer oposição pública, verificando-se apenas a exigência de garantias relativas à instalação e segurança da máquina a vapor, bem como a de elevação da chaminé um metro acima dos mais altos telhados vizinhos (9). O alvará só foi concedido em 26 de Abril de 1878. Com toda a probabilidade o projecto desta fábrica não chegou a concretizar-se, dado o envolvimento de Clemente Meneres na descoberta de Trás-os-Montes e suas consequências, nomeadamente ao nível dos conflitos na sociedade.

Na verdade, os outros dois sócios defendiam que as propriedades de Mirandela deveriam pertencer à casa comercial, pois foram adquiridas quando Clemente se deslocara em serviço da firma, tendo perdido tempo e realizado um negócio que poderia render bastante dinheiro. O desfecho levou à dissolução da sociedade, tendo-se realizado demanda e um acordo posterior homologado pelo Tribunal do Comércio: os sócios foram indemnizados por Clemente Meneres em oito contos de réis.

No próprio dia da resolução do Tribunal (9 de Março de 1876), a firma C. Meneres reorganiza-se. Clemente Meneres era agora o único sócio que restava e vai associar-se a Raul Cirne, um rapaz emancipado, menor de 21 anos, “vivendo do seu trabalho” e António Tomás dos Santos, já casado e negociante. Ficava estatuído que o objectivo da sociedade era exactamente a continuação da anterior, entrando Clemente como comanditário e com o capital de 16 contos de réis, representado pelo balanço, Raúl Cirne com 8 contos e A. T. Santos com apenas um conto de réis. A nova firma assumia o passivo e activo da anterior. E, nota curiosa, Clemente Meneres comprometia-se a vender à sociedade a cortiça dos seus sobreiros de Mirandela e Macedo, com abatimento de 5% em relação aos preços correntes naquela região, e as rolhas e cortiças lá fabricadas por sua conta seriam cedidas à Sociedade para revenda, com a comissão de 20%. Finalmente os lucros seriam distribuídos da seguinte forma: metade para Clemente e 1/4 a favor de cada um dos outros sócios (10).

A firma C. Meneres & Cª continuou o seu movimento. É certo que a fábrica de cortiça praticamente passou depois a depósito para o mesmo efeito, quando Clemente instalou a fábrica em Mirandela, junto da ribeira do Quadraçal, designada actualmente por “fábrica velha”, e enviava a produção para o Porto. Mas entretanto já funcionava a fábrica Luso-Brasileira, de conservas alimentícias, como segunda unidade da C. Meneres & Cª. Em anúncio de Junho de 1878 anunciava a sua actividade e a criação de um rede de depositários das suas “latas com peixes, carnes, frutas, legumes, doces, etc., pelos preços do catálogo”, aconselhando que era “conveniente para fazer uso das carnes e peixes, mergulhar a lata em água um pouco quente, pelo diminuto espaço de 15 minutos” (11). Segundo dados recolhidos por José Parreira, em 1878, as exportações da firma para o Brasil, tendo como destinos o Rio de Janeiro, Santos, Baía e Pará, passavam essencialmente pelo azeite e pelo vinho, mas também por pequenas quantidades de corda, cal, cestos de vime, fechaduras, ferragens, linho, fruta, palitos, rolhas, peixe, rosários e torneiras. Já para o destino europeu (Londres, Hamburgo, Gotemburgo, Estocolmo, Bordéus), a cortiça era o produto exclusivo, sob a forma de rolhas, aparas ou fardos e feixes de pranchas (12).

A 1 de Fevereiro de 1879 a firma sofria nova reorganização, continuando embora a adoptar a natureza de sociedade em comandita. Entra um novo sócio comanditário, Constantino Joaquim Paes, filho de João Paes, o primeiro sócio que se dispusera a ajudar inicialmente Clemente Meneres: este já cedera àquele parte da sua quota e agora esse aspecto ficava oficializado. A firma passa a adoptar a razão Santos, Cirne & Cª - sucessores de Paes & Meneres, “honrando desta forma o bom nome que nesta praça sempre tiveram aqueles seus antecessores”. A firma assumia-se como a continuadora da C. Meneres & Cª, cujo passivo e activo lhe eram atribuídos, ou seja, dava sequência ao mesmo ramo de comércio e à dinamização da fábrica “Luso-Brasileira”. A gerência era assumida em pleno pelos dois sócios Santos e Cirne, embora sujeitos a um conjunto
de condições. O capital, agora actualizado pelo balanço de final de 1877, atingia já os 36 contos de réis, assim distribuído: Clemente Meneres - 10048$427; Constantino Paes - 10048$425; Raúl Cirne - 10048$428; A. Tomás Santos - 5854$720.

Mas a incorporação dos lucros seguintes devia continuar a verificar-se até se atingir a cifra de 50 contos de réis, valor que passaria a representar o capital futuro da sociedade Santos, Cirne & Cª. Em caso de vantagem poderia, porém, elevar-se a 60 contos de réis só para a casa principal do edifício do ex-convento de Monchique, criando-se ainda um fundo até 20 contos de réis para a fábrica de conservas da rua da Restauração. Mas apontava-se para a gradual autonomia dos dois estabelecimentos, na certeza de que a duração da sociedade estava prevista até 1883, data em que tudo poderia ser revisto. E por acordo de 30 de Junho desse ano a cláusula relativa à cortiça de Clemente Meneres foi mesmo eliminada do contrato social, permanecendo na sociedade apenas a fábrica de conservas.

É a altura de chamar a atenção para o papel pioneiro que a fábrica “Luso-Brasileira” representou no Norte dentro do ramo das conservas, introduzindo as técnicas francesas de conservação, ou seja, o modelo Appert. Percursora da explosão do sector conserveiro, a fábrica deve o mérito da sua criação e organização a Clemente Meneres, cujo protagonismo perdeu visibilidade sob a sigla posterior de Santos, Cirne & Cª. Mas Clemente Meneres afirmava ser a “primeira que se montava no norte do país, e tantas foram as dificuldades que quase fizeram desanimar-me; se ela seguiu por diante, foi devido à minha grande insistência”.

O Inquérito Industrial de 1881 diz-nos que, por esta altura, já a fábrica tinha uma sucursal em Espinho para a preparação de sardinha em azeite. A fábrica da rua da Restauração apresentava alguma debilidade, desde logo por estar instalada numa casa de habitação alugada (inicialmente a João Paes, depois a seu filho e sócio comanditário Constantino Paes). Funcionavam duas
cozinhas e havia uma oficina de funilaria para construir e manipular as latas. Ocupava 50 operários, que subiam sazonalmente aos 120, por ocasião da colheita da fruta. Em 1880 a produção orçava o valor de 70 contos de réis, destacando-se as frutas (26,5), marmelada e geleias (8), azeitona (15), peixe (5), tomate (7) e era, em grande parte, exportada para o Brasil e repúblicas do rio da Prata. A venda no País representava apenas cerca de 10%, outro tanto a exportação para Inglaterra. O capital da sociedade subia já aos 70 contos de réis13.

O mesmo Inquérito Industrial faz referência à fábrica de cortiça do ex-convento de Monchique (também antigo armazém da alfândega), então a única existente no Porto, revelando que “todo o trabalho é manual, cortando-se as rolhas à moda nacional e à catalã. Ensaiou-se noutro tempo o fabrico mecânico, mas abandonou-se por menos perfeito e mais caro”. Tinhase, então, já vendido o motor antes existente, havendo apenas duas prensas para enfardar as pranchas, com destino à exportação para a Alemanha. A produção atingia o volume de 300 toneladas de prancha, ocupando como pessoal operário 25 homens e 2 mulheres14. A fábrica estava então em declínio, dado Clemente ter instalado unidades de transformação em Mirandela.

Os negócios do Porto estavam agora estatutariamente entregues aos dois gerentes – Santos e Cirne. Mas em 1885, a 9 de Julho, a firma altera e amplia o seu compromisso social: os sócios comanditários (Clemente e Constantino Paes) abdicam de um terço da sua quota que é assumida por Porfírio de Macedo, o qual passa a integrar os corpos gerentes15. Finalmente, a Santos, Cirne & Cª dissolve-se em 30 de Abril de 1887, por retirada amigável de Clemente Meneres, que ali deu quitação geral, por já ter sido compensado da sua participação. Todo o activo da extinta sociedade (então representado pela fábrica Luso-Brasileira e pela fábrica de conservas de sardinha de Silvade, em Espinho) passava para a nova firma de imediato constituída pelos restantes sócios, que passou a designar-se de Santos, Cirne & Macedo16.

Como muito bem salientou José Parreira17, a retirada desta firma representa para Clemente Meneres o fim de um ciclo, marcado pela associação empresarial com pessoas estranhas ao meio familiar. A partir daqui, todas as restantes iniciativas deste tipo ocorrerão em família, em associação com os descendentes.

2.5 – A fixação no Nordeste

Com efeito, Clemente Meneres, embora assegurando a retaguarda no Porto através da referida sociedade, entusiasmara-se com os negócios transmontanos, com a qualidade da cortiça dos montes graníticos do Quadraçal e as potencialidades ali entrevistas, posicionando-se então como silvicultor e lavrador, assegurando a montante a produção de bens para comercializar. Procurando a ampliação e organização das propriedades do Romeu, desde 1876 que direccionava para lá todos os seus esforços pessoais. A verdade é que, nos primeiros tempos, a sonhada ligação de produção de fruta de Mirandela à fábrica de conservas não teve êxito: das 20 mil cerejeiras mandadas plantar, poucas vingaram. A rentabilização das terras passava, então, pela autonomia dos empreendimentos. Assim aconteceu, até porque os juros dos empréstimos para os investimentos efectuados em Mirandela requeriam urgentemente retorno, sob a forma de lucros, sob pena de o sonho se esvair.

A estratégia de investimento em terras de Mirandela não foi uma opção fácil. Para comprar terras, por mais baratas que fossem, era preciso dinheiro. Clemente Meneres procurou um estabelecimento apropriado para esse efeito. Sob hipoteca, conseguiu no Banco Aliança um primeiro empréstimo em 7 de Janeiro de 1876 e outro quase dois anos depois (11.10.1877): no total, um crédito em conta-corrente, até 25 contos de réis, que foi totalmente levantado.

Em 31 de Dezembro de 1876, a propriedade agrícola era já constituída por 279 terras, respeitantes a 181 títulos de compras e distribuíam-se por Romeu, Vale do Couço, Vale de Lobo, Vale d’Asnes, Vila Verdinho e Cortiços. E depois alarga-se a outros terrenos de Mirandela, Macedo de Cavaleiros, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães e Vila Flor.

Quando não pode comprar terras (o que, geralmente, só faz em zonas inóspitas por ser terreno mais barato), opta por comprar apenas os sobreiros, em zonas de cultivo de cereais: nos finais do século, os sobreiros de Clemente Meneres eram calculados em 200.000 pés. Clemente limpa as matas, extrai cortiça, poda e limpa sobreiros, arranca matagais, veda lameiros, canaliza água, faz plantações, ergue duas fábricas de cortiça (no Carriço e na Horta da Massada), estabelece uma casa para os corticeiros no pico do Quadraçal, em Vila Verdinho, com uma visão deslumbrante sobre todo o espaço, que funciona como posto de vigia onde se estabelecem vários guardas florestais (a casa foi mais tarde ampliada).

Faz a sua casa de habitação no Romeu por fases: durante muito tempo pernoitou no tasco de telha vã e térreo do Carriço, que tinha a particularidade de ser seu conterrâneo da Vila da Feira; depois (1877) ergueu uma casa térrea, com grossas paredes e forrada a madeira, mas pequena, fiel ao ditado que tantas vezes citava - “casa que chegue e terra quanta vejas”. Só em 1884 ampliou a casa com andar superior e outros arranjos, dada a necessidade de levar consigo a numerosa família, face às temporadas cada vez mais dilatadas que passou a fazer no Romeu, para acompanhar mais de perto os investimentos a introduzir nas propriedades, melhorando os sobreirais e plantando vinhas e olivais.

Um investimento significativo cuja evolução se pode observar, segundo as próprias anotações de Clemente Meneres (Quadro I).

Quadro I
Investimentos de Clemente Meneres em Mirandela

Anos Propriedades Deslocações Salários e
Construções

1874-76 10908$455 1884$590 1943$980
1877 1108$810 424$000 5362$810
1878 813$485 222$250 3209$545
1879 598$760 231$040 2979$525
1880 1413$205 335$100 2922$615
1881 1565$925 312$100 4579$570
1882 3471$560 396$000 4980$500
1883 4180$010 377$300 6980$940
1884 7994$520 383$000 8630$000
Total 32054$730 4564$380 1589$495

E agora, o que faltava ? Mais dinheiro para investir e fazer girar o negócio. Em 2 de Julho de 1885 faz um contrato com quatro bancos para a abertura de um crédito de 90 contos de réis, ao juro de 7%, com hipoteca de todas as suas terras no Nordeste Transmontano. Foi comparticipado da seguinte forma:

Banco Aliança................................................... 37300$000
Banco Mercantil Portuense............................. 9000$000
Nova Companhia Utilidade Pública ............. 19300$000
Caixa Filial do Banco Lusitano...................... 24400$000

O empréstimo devia ser amortizado em seis prestações anuais a iniciar em 1886 e “em bom metal ouro e prata corrente nestes Bancos”.

Mas é preciso notar que só com muita fé se podia ter avançado nesta aventura que, no princípio, apenas fornecia débitos demasiados para um pequeno negociante isolado. Na verdade, no mesmo dia em que Clemente Meneres fazia o contrato com o sindicato bancário acima referido, via-se na necessidade de renovar a dívida anterior, acima referida, datada de 1876. Sem pagar amortizações nem juros, aquele débito elevava-se já a 39104$678 réis. E o Banco Aliança impõe: amortização em 7 prestações anuais a partir de 31.10.1886, com importâncias progressivas (a primeira de 2 contos, as quatro seguintes de 5 c., depois uma de 6 c., outra de 12104$678), para além de uma final para solver os juros entretanto acumulados. Contratos estes que, apesar de tudo, revelam uma grande capacidade negocial e a demonstração pública de respeitabilidade empresarial, enfim, crédito na praça. A cortiça era a base e a esperança de todas estas operações, pois o vinho e azeite constituíam investimentos a prazo para se tornarem lucrativos.

Em 1893, a propriedade fundiária de Clemente Meneres atingia uma área considerável, distribuindo-se, embora de forma dispersa, por uma extensão de 27 quilómetros. O problema do escoamento dos produtos era, no entanto, quase insolúvel para a região transmontana, mesmo quando houvesse acesso a canais de distribuição. Os custos e a morosidade, esta fatal para determinadas produções como a fruta, tornavam difícil qualquer projecto comercial. Aprendendo a partir da experiência própria, Clemente Meneres rapidamente percebeu que nenhum negócio seria viável se não conseguisse para ali um caminho-de-ferro. O mesmo percebera Fontes Pereira de Melo quando em 1878 visitou aquelas paragens e prometera então empenhar-se por uma linha de caminho de ferro para Mirandela, ao longo do Tua, como forma de combater o isolamento18, tendo o seu governo apresentado um projecto para o efeito na Câmara dos Deputados. Não admira que Clemente Meneres aderisse, então, ao fontismo, e se declarasse como regenerador, passando a desenvolver uma forte campanha em prol da construção da linha do Tua, sobretudo porque não se dava andamento àquele projecto.

Aproveitando a conjuntura da construção do caminho-de-ferro do Douro, estando em debate o projecto do seu prolongamento para Salamanca, surge-lhe uma ideia luminosa, ainda que pouco ortodoxa. Diz-nos: “principiei a luta em 1881 para 1882, imaginando telegramas dos povos transmontanos (que se não mexiam), afirmando que se sublevavam pelo facto de os poderes públicos se não preocuparem nunca com a desgraçada província onde eu vim bater”.

Telegramas e artigos de opinião (escritos pelo genro, sob sua indicação) e representações assinadas pela Câmara Municipal de Mirandela ou por grupos de negociantes do Porto foram transcritos em jornais de Lisboa e Porto, conseguindo atrair as atenções e criando opiniões favoráveis ao caminho-de-ferro do Tua. A procura de quintas em Trás-os-Montes para pessoas gradas da política que lhe solicitaram ajuda trouxe-lhe aliados inesperados na pressão política para a apresentação do respectivo projecto ao Parlamento (levada a cabo pelo ministério de Hintz Ribeiro). Mas a campanha para o comboio do Tua tornou-se também uma luta afectiva e de afirmação local, não se podendo esquecer que Clemente Meneres casara em segundas núpcias com uma senhora de Mirandela.

Note-se, entretanto que o primeiro concurso (decreto de 29.9.1883) ficara deserto, por haver garantias reduzidas para o capital a investir. Foi nesse contexto que Clemente contactou hipotéticos construtores: a conhecida casa dos irmãos Pereire, em França, e Henry Burnay, em Lisboa, este seu antigo vizinho de Monchique e colega da praça do Porto. Fez pressão junto de deputados, promovendo reuniões para o efeito mesmo na capital. E face às dificuldades aventadas por Henry Burnay em assumir uma linha de via estreita de apenas 55 quilómetros, Clemente Meneres e o grupo de novos proprietários da zona organizaram um grupo para assumir a responsabilidade pela sua construção (concorrendo com base no orçamento de 22999$500), embora no concurso a arrematação acabasse por ser feita pelo marquês da Foz, que organizou uma companhia para a exploração daquela e de outras linhas. Em 27 de Setembro de 1887 a linha do Tua (até Mirandela) era inaugurada com a presença do rei D. Luís, e na bandeira da locomotiva o nome de Clemente Meneres estava inscrito com o de um grupo de pessoas que tinham sido decisivas para o projecto, embora na altura ele tivesse partido mais uma vez para o Brasil para tentar salvar os seus negócios que andavam aziagos. Note-se que o troço até ao Romeu (13 Km) foi mais tardio, ainda demorou 18 anos, inaugurando-se apenas a 2 de Agosto de 1905.

Em todo o caso, a firma Clemente Meneres está sediada por alguns anos no Romeu, na propriedade que denominou significativamente de Jerusalém. Por ali tinha a fábrica de cortiça, cuja produção exportava principalmente para a Alemanha e Brasil, recebendo deste último ainda importantes encomendas de azeite em almotolias, para além dos vinhos tratados que enviava para Gaia. Nos finais de 1886, uns meses antes da inauguração da linha do Tua, a propriedade agrícola de Mirandela estava estabilizada, tinha a produção organizada, e apresentava resultados positivos, embora o escoamento dos produtos apresentasse alguns problemas, em face da conjuntura depressiva que se fazia sentir nas praças comerciais. Se seguirmos uma memória do filho José Meneres, ficamos a saber que, no jantar de final desse ano, Clemente brindava como de costume ao saldo positivo e aos filhos que ali o ajudavam (Alfredo, o organizador da contabilidade, e Agostinho), prometendo-lhes, além do ordenado, uma participação nos lucros futuros:

“Então o Alfredo, agradecendo-lhe em improvisado discurso, foi dizendo com grande emoção que ele e o irmão estavam com vontade de trabalhar e prosperar e que aquela vida aqui não oferecia futuro, que o Pai ainda estava novo e que os três deveriam pensar em ir para o Porto, de onde poderiam vir aqui amiudadas vezes, por que o caminho de ferro em breve ia ser inaugurando, proporcionando viagens rápidas. Ao Pai vieram-lhe as lágrimas aos olhos e nada respondeu, mas no dia seguinte, ao jantar, onde estavam todos, disse: - Estou pensando no que ontem o Alfredo disse, ele tem razão. Vou amanhã ao Porto, a casa de Monchique que está arrendada a vários inquilinos vai ser despejada e a arranjarei e adaptarei a nossa moradia e em alguns dos armazéns se montará a fábrica de rolhas e se aumentará com outros negócios que desenvolveremos”.

O interior transmontano não convencia a geração mais nova! Dois meses fazia-se a mudança.
Clemente manda arranjar a sua casa de Monchique, nos seus 5 andares, consegue um comboio especial (antes ainda da inauguração) do Romeu até ao Tua, onde depois tomaram outro comboio para o Porto, transportando a família, operários e máquinas, montando de novo a fábrica de rolhas num dos armazéns do ex-Convento. Em face da necessidade de ampliar os negócios, organiza mostruários da sua produção própria e parte de novo para o Brasil e Rio da Prata, atravessando mais uma vez o “charco” Atlântico, que os homens de oitocentos tratavam familiarmente.

2.6 - A sociedade familiar

Na volta do estrangeiro, Clemente Meneres reorganizou o estabelecimento, constituindo sociedade com os filhos Alfredo e Agostinho, em face do dinamismo revelado durante a sua ausência: cria então a firma a Clemente Meneres & Filhos, nela integrando todas as propriedades do Porto e Trás-os-Montes. O edifício do ex-convento de Monchique foi ampliado, de forma a
incluir a residência e as instalações para a sociedade comercial, alugando ainda a terça parte que lhe não pertencia. A parte oriental do ex-convento passa a albergar as duas principais actividades - a fábrica de rolhas de cortiça e um armazém de vinhos e outras bebidas, estas com uma grande variedade de marcas e géneros, desde vinho do Porto, moscatel e malvasia e licores diversos, tanto de produção própria como de produção alheia. Anúncios, de produção artística, apresentavam a firma como fornecedora da Casa Real e costumavam apresentar referências relativas às distinções obtidas nas exposições internacionais: Filadélfia 1876, Paris 1889, Lisboa 1884. Uma das marcas de vinho do Porto tinha por designação “Dom Luiz”, com autorização expressa do rei D. Carlos para o efeito.

O Inquérito Industrial de 1890 apresenta a componente fabril da firma como tendo um capital fixo de 50 contos de réis e circulante de 20 contos. Nela trabalhavam 29 operários e 11 operárias durante todo o ano (290 dias), com 10 horas diárias e 140 serões anuais (média de 3 horas)19.

Na exposição industrial de 1891, realizada no Palácio de Cristal, a sua participação na 2ª classe de expositores, relativa a produtos da indústria florestal, mereceu palavras de destaque no relatório final. O Conde de Samodães, na introdução geral aos relatórios das diversas classes, afirma:

“Como indústria particular avantajava-se a cortiça da casa Meneres & Filhos, na calçada de Monchique no Porto. A casca do quercus suber ali nos aparecia sob todas as formas, desde a rolha, que é a sua principal utilização, até ao rendilhado primoroso do quadro oferecido à simpática Rainha a Senhora D. Amélia”.20

Entretanto, o investimento da sociedade alargava-se a outras áreas. Por exemplo, em 1890, a firma Clemente Meneres & Filhos participava na sociedade em comandita Sousa Santos & Irmão, para o estabelecimento de uma fábrica de fundição que adquiriram a John Ayres, em Miragaia (Monte de Judeus). Uma sociedade prevista para durar oito anos, realizada com os dois irmãos Sousa Santos que ficavam como gerentes e com uma quota de 500$000 réis cada, enquanto a Clemente Meneres & Filhos e ainda Henrique Pinto Alves Brandão participavam com 3500$000 réis cada, perfazendo assim um capital social de 8 contos de réis. Estes dois sócios comanditários retirariam anualmente as suas partes de lucro, enquanto os sócios gerentes, para além da retirada mensal de ordenado, capitalizariam os seus lucros até que o capital respectivo igualasse o dos comanditários21. Um exemplo que nos mostra a proliferação de firmas a partir da confiança dos já estabelecidos em elementos promissores mas sem capital, permitindo-se que estes o realizassem gradualmente através da acumulação de lucros, tendo como contrapartida a garantia do seu interesse no bom andamento da firma.

E, no campo do giro comercial, chega a vez dos filhos irem também ao Brasil e ao Rio da Prata, primeiro Alfredo, depois Agostinho. A sociedade procurava marcar posição nos mercados sul-americanos, conseguindo sobretudo exportações de rolhas e azeite, só a exportação de vinhos se revelava mais difícil na conjuntura dos anos imediatos à constituição da empresa.

Em 1895, Clemente Meneres realizou a sua última viagem comercial à Palestina, Síria e Egipto e aí, perante as descobertas arqueológicas que visitou, deixou-se impressionar pelo sentido de finitude das coisas, através da observação das maravilhas de estatuária, decorações, etc, de há milhares de anos, símbolos de civilizações que se aniquilaram umas às outras e que agora só valiam como vestígios de épocas de ouro. A possibilidade de o esforço e a entrega da sua vida se transformar rapidamente em arqueologia produziu-lhe angústia. Com efeito, o curto ciclo de vida das empresas comerciais e industriais também o preocupava, sobretudo encarando, como o fazia, o seu empreendimento de Mirandela mais com o coração do que com a razão. Isso levou-o a pensar em reestruturar de novo a firma existente, dando-lhe nova configuração jurídica, reduzindo a sua participação e colocando as propriedades transmontanas de fora. Tendo falecido a primeira esposa e chegada a ocasião de partilhas, dá-se a ocasião para a organização de uma nova firma, em 1895: Meneres & Cª., que representa o alargamento da anterior à filha Leonor (representada pelo marido Joaquim Barbosa) e ao filho José (que, com 19 anos, volta de Inglaterra, onde estudava, para trabalhar na sociedade).

Clemente Meneres reduziu substancialmente o seu capital na Meneres & Cª, com a retirada das propriedades transmontanas, acabando mesmo por sair do negócio mais tarde, dando a ideia de que só se manteve para credibilizar o empreendimento (que se anunciava como prosseguindo a actividade iniciada em 1867 por Clemente) e lançar os filhos no meio empresarial, embora alguns já estivessem perfeitamente integrados vida social. A Meneres & Cª, que lhe pagava uma renda de quatro contos pelas instalações de Monchique enquanto lá esteve, comprometeu-se a adquirir toda a cortiça do Romeu. Mas, em 1897, a firma Meneres & Cª, ao que parece, por não poder aguentar por mais tempos “os constantes vexames aduaneiros que sofriam por terem os seus armazéns dentro de barreiras, pelas constantes verificações de manifesto, resolveu construir armazéns fora de barreiras, em Matosinhos e assim, saindo de Monchique, separou-se de Joaquim Barbosa que ficou com a fábrica, mudando-a para a Alfândega Velha, sob a razão de Barbosa & Cª, em comandita, porque entramos para seu sócio para o ajudarmos com algum capital” (Palavras proferidas no Romeu em 18.5.1954 por José da Fonseca Meneres).

A sociedade Meneres & Cª ergueu em 15 meses, na zona então conhecido por Prado, à entrada de Matosinhos, os armazéns e oficinas da firma, com uma ocupação de 11.000m2, para ali transferindo, nos inícios de 1899, os depósitos de vinhos até então observados no ex-convento de Monchique. O estabelecimento de Matosinhos, hoje em ruínas e à espera de recuperação, era então considerado modelar: com dois pisos ao longo dos seus 150 metros e com alguns torreões que subiam aos três pisos, agregava escritórios já com máquinas de escrever, gabinete de provas e análises, armazéns de vinhos em semi-cave para garantir temperaturas baixas, incluindo uma cisterna especial e filas de tonéis, com armazéns para os diversos tipos de vinhos, secção de engarrafamento, depósito de recepção com bomba eléctrica de trasfega ligada a uma rede de tubos, carpintaria mecânica, caldeira a vapor para accionar motores e um dínamo para produção de electricidade, levando até ao seu interior o transporte por carros de tracção eléctrica em colaboração com Companhia Carris, com ligações à rede geral (nomeadamente, a Alfândega e o porto de Leixões). A Meneres & Cª, que deu continuidade à exportação de vinhos para o Brasil, iniciando também remessas para as colónias africanas, deu origem, em 1905, à Companhia Vinícola do Porto (tendo José Meneres como director e Alfredo Meneres a Presidente do Conselho Fiscal), passando em 1908, a designar-se de Companhia Vinícola Portuguesa (houve litígio com a designação).

Deixando o negócio do Porto seguir o seu rumo pela iniciativa dos filhos e do genro Barbosa, Clemente Meneres pôde entregar-se totalmente ao Romeu e à actividade de produção das três produções tradicionais: cortiça, vinho e azeite.

Pouco depois, porém, da criação da firma Barbosa e Cª, verificaram-se dificuldades desta sociedade na aquisição de toda a cortiça, o que levou de novo Clemente Meneres a activar nova fábrica de rolhas em Mirandela, no largo do Toural, a qual passaria, mais tarde, para Monchique, para o edifício do ex-convento.