sexta-feira, 28 de novembro de 2008

De pedras fez terra - um caso de empreendedorismo e investimento

Gradualmente será colocado aqui um trabalho de investigação realizado na Universidade do Porto, tendo como base, a figura de Clemente Menéres. É o texto mais completo que conheço.

Foi publicado na Revista da Faculdade de Letras ( HISTÓRIA )
Porto, III Série, vol. 8,2007, pp. 113-155

É seu autor o Sr Professor Jorge Fernandes Alves, Professor catedrático da FLUP

"De pedras fez terra - um caso de empreendedorismo e investimentoagrícola no Nordeste Transmontano (Clemente Meneres) - parte 1

O presente artigo ilustra um caso de empreendedorismo centrado sobre o Nordeste Transmontano, em Mirandela e terras vizinhas, desenvolvido por um ex-emigrante do Brasil, Clemente Meneres, desde cerca de 1870. Depois de várias experiências empresariais no Porto, concentrou a sua acção na aquisição de terras para a produção de cortiça, azeite e vinho, recuperando áreas que estavam abandonadas, organizando depois, em 1902, a Sociedade Clemente Meneres, Limitada, que se tornou num modelo regional de exploração agrícola, a qual tem permanecido como propriedade familiar e mantido a sua actividade até à actualidade.

1 - Introdução

Se no distrito de Bragança houvesse mais alguns homens como o snr. Clemente Meneres, a transformação agrícola seria rapidamente profunda. Consola, contudo, apresentar aos nossos conterrâneos o exemplomais salutar de trabalho inteligente e fecundo que apareceu em Trás-os-Montes no século XIX. Oxalá que as gerações futuras se inspirem em tão nobre exemplo de trabalho.
Meneses Pimentel, Portugal Agrícola, vol. XIV, ano 1902/1903

“Jóia de família” é uma expressão consagrada na literatura, mas que se ajusta também a uma das perspectivas com que, no prisma da realidade, podemos encarar a Sociedade ClementeMeneres, Limitada, empresa criada em 1902. A analogia ocorre quando focalizamos a empresa na sua espessura histórica, quando lhe descortinamos os princípios fundacionais e acompanhamos os valores subjacentes à sua gestão.

A formação da empresa radica numa aventura empresarial muito peculiar do fundador que lhe deu a designação social, centrando-se na exploração de um conjunto de terras em Mirandela e em outros concelhos vizinhos do Nordeste transmontano e num agrupamento de edifícios em Miragaia (Porto), estes derivados do ex-convento de Monchique. A gestão da sociedade, assumida, ao longo do tempo, por diferentes personalidades da família, surge eivada de um sortilégio especial, em que a memória do fundador funciona como factor intangível que se funde com a ambiência de uma sentida e profunda ligação à natureza que o Romeu, as matas do Quadraçal ou as vinhas de Monte-Miões proporcionam em todo o seu esplendor.

Dos passos primordiais de Clemente Meneres à actualidade muita história correu. Criada em plena monarquia, a Sociedade Clemente Meneres, Lda atravessou múltiplas conjunturas, de diferente feição, umas mais favoráveis ao seu tipo de negócio, outras francamente desfavoráveis, preparando-se, agora, para funcionar em tempos de globalização, procurando fazer sentir a sua especificidade local, numa altura em que toda a actividade empresarial assume contornos mais fluidos e incertos. Radicada no interior profundo de Portugal, a Sociedade está habituada a aproveitar as frestas de comunicação que se lhe oferecem: cortaram-se as suas propriedades nos inícios do século passado para lá passar o comboio da linha do Tua, ligando-a ao Porto, rasgaram--se de novo agora, em tempos recentes, para dar passagem à rodovia do Itinerário Principal nº 4 (IP4), o que pode constituir um bom indício.

Pela sua própria designação, a empresa remete-nos para um homem e para a sua vontade. A Sociedade representa a vontade de Clemente Meneres, que, em 1902, chamou a si os filhos para, em conjunto, garantir duração ao conjunto de bens que, durante anos, adquirira e organizara, impondo-lhe um novo modelo empresarial – a sociedade por quotas, dispositivo jurídico introduzido por lei de 1901. E o pacto social apontou uma ousada proposta de duração: um século. Tempo indeterminado, decidiram mais tarde os sucessores, alterando para o efeito os estatutos, prolongando no tempo a vontade do fundador, a grande razão para que a empresa subsista na sua configuração tradicional.

Mas a vontade de um homem, fielmente guardada e desenvolvida pelos seus sucessores, pode não ser suficiente para fazer perdurar uma empresa, que, pelos valores que envolve e pelos custos que implica, tem de funcionar no mercado com princípios de racionalidade económica. São estes princípios que os sucessores, respeitadores do passado mas já afastados do voluntarismo fundacional, tiveram de aplicar sucessivamente, sob pena de tudo se esvair.

O presente artigo, extracto de um trabalho mais vasto, procura delinear e enquadrar a iniciativa empresarial que a Sociedade Clemente Meneres, Lda. configura, evocando a trajectória do fundador e os primeiros ciclos de gestão no jogo do mercado e das flutuações económicas."

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.