sábado, 29 de novembro de 2008

De pedras fez terra - um caso de empreendedorismo e investimento (2)

De pedras fez terra - um caso de empreendedorismo e investimento
agrícola no Nordeste Transmontano (Clemente Meneres) (2)

Revista da Faculdade de Letras HISTÓRIAPorto, III Série, vol. 8,2007, pp. 113-155

Jorge Fernandes Alves
Professor catedrático da FLUP


2 - Trajectórias de Clemente Meneres

A explicação original da Sociedade Clemente Meneres, Lda remete-nos, pois, para a personalidade de Clemente Meneres e para o seu percurso na constelação empresarial do Porto dos finais do século XIX. Clemente surge-nos como um protagonista, tanto no quadro das tradicionais relações comerciais luso-brasileiras, como em situações de inovação no tecido económico do Norte, evidenciando o efeito de estímulo que o mercado brasileiro ainda exercia sobre a apertada malha empresarial nortenha.

Quem era? Donde vinha? Como se ajusta o seu percurso às circunstâncias da época?
Servindo-nos de um texto autobiográfico2 como guia e de documentos complementares (3) podemos esboçar alguns aspectos da sua trajectória empresarial.

Clemente Joaquim da Fonseca Guimarães, nasceu a 19 de Novembro de 1843, no lugar da Cruz em Vila da Feira, sendo baptizado sete dias depois4. Na Feira frequentou as aulas do mestre régio local. Era filho de pais lavradores e industriais, na complementaridade típica do artesanato do Norte, pois, além de cultivarem os terrenos agrícolas de que eram proprietários, possuíam uma serralharia que ocupava na ocasião cerca de 40 operários, na qual Clemente iniciou a sua aprendizagem, Recorde-se que a Feira era, nos meados do século XIX, a zona de maior concentração de ferragens ao redor do Porto, vendendo para esta Cidade a maioria da sua produção, grande parte da qual seguia depois o caminho da exportação para o Brasil. A oficina da família, especializada em fechaduras, não fugia a esta regra, mas, perspicácia de rapaz, enquanto o intermediário responsável pela exportação ostentava riqueza, a vida do pai de Clemente não passava da mediania. Representação que ficaria para sempre, levando-o a nunca querer abandonar a actividade de distribuição, especialmente a da sua própria produção.

2.1 - O Brasil como destino

Em 1859 recebe-se em casa a tradicional carta do “tio brasileiro” estabelecido no Rio de Janeiro, que, pretendendo regressar a Portugal, desejava antes passar o negócio a dois sobrinhos, um dos quais já estava com ele, sugerindo portanto a ida de outro. Passar a casa comercial a portugueses, de preferência ex-caixeiros experimentados, como forma de prolongar o negócio e obter uma renda periódica na sua retirada, era hábito nos negociantes portugueses do Brasil.

Diz-nos Clemente que então se entusiasmou, sentindo o apelo do Brasil, apesar da oposição paterna inicial, e a 4 de Julho desse ano, com 16 anos incompletos, embarcava na galera “Olinda” que largava da barra do Douro. Quarenta e um dias depois arribava ao Rio de Janeiro e procurava a casa do tio. Estava já a loja em liquidação, pois o tio mudara de ideias, por se ter desavindo com o outro sobrinho. De qualquer forma, o tio levou-o à sua chácara no Catumbi, onde foi apresentado à família (mulher e um casal de filhos) e se iniciou no tradicional prato de feijão preto e carne seca. Voltou depois ao armazém, onde passou a trabalhar e dormir, ali passando cerca de um ano até à liquidação final do estabelecimento. Mas o tio arranjou-lhe nova ocupação, casando-o logo (aos dezoito anos) com a prima Maria da Glória, cumprindo assim outro hábito arreigado dos comerciantes portugueses ali residentes: chamar os sobrinhos com o objectivo de lhes passar a loja de comércio (o que aqui só não aconteceu aqui por circunstâncias fortuitas) e casá-los com as suas filhas, canalizando os filhos próprios do sexo masculino para outras actividades (5).

De feitio indomável, Clemente tentou a independência económica do sogro, que o procurava enquadrar nos trabalhos agrícolas da chácara. Assim, arranjou por si próprio emprego em novo armazém do Rio de Janeiro (30$000 réis mensais de início, 100$000 réis ao fim do primeiro ano já como primeiro-caixeiro, sem esquecermos que estas verbas deveriam ser em moeda brasileira ou “fraca”, equivalendo a cerca de 50% em réis portugueses ou “fortes”). Tratava-se agora da casa comercial de mais um emigrante do Porto ali estabelecido, ligado à família Serpa Pinto, que, como norma habitual, dava preferência no emprego aos portugueses chegados de fresco.

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